Em termos de nessa matéria em que e onde
Uma das mais claras
incapacidades ou limitações na exposição de ideias - fito dos debates
eleitorais - é o modo como se articulam as charneiras ou se fazem os
arranques de frase. Há na linguagem um enorme peso morto de expressões,
aquelas que correspondem a clichês de reacção fática e também as que
abusadas num uso para-argumentativo constante estão mortas - é por isso
que dizemos que fala como uma cassete ou dizemos que faz o discurso da
cassete.
Quando alguém não sabe o que dizer e arranca a frase
com um prolongado "em termos de" e ou um assertivo "nessa matéria"
dizemos logo, já ouvi isto: procura um efeito de seriedade no texto e
modo de elocução - os "em termos de" surgem de cenho em tique de
pensamento - que dê alguma ciência ao que diz mas revela que coxeia no
dizer, o que porventura não tem para dizer que seja mais que aquilo que
todos dizem ou sabem e que muitas vezes não é saber, e mesmo só dizer -
não é expressar o senso comum, esse tem um filtro de qualificação, como
os provérbios ou outras expressões de linguagem que vêm dessa entidade
anónima chamado tempo, voz comum: é mesmo vulgaridade, sem depreciação.
Mas é nas articulações que a coisa se torna mais clara: quando saem uns
"em que" ou uns "onde" fora de sítio. Nestes casos a questão é a mais
complexa e é a da sequência articulada do que se diz numa exposição que
assume ser de ideias - noutros discursos, na poesias, as associações
assumem o imprevisto ao sabor de uma íntima relação com a língua,
sensual no corpo a corpo respirado com a palavra, filosófica no limite,
fundada nos fluxos mais fundos da in-sub-consciência nos processos de
emersão, chamando-lhe assim.
É que é nas articulações que a
ideia ganha forma (con)sequente, desde que não seja epigramática ou
telegramática, como agora tem de ser - se os actores candidatos forem
alunos fiéis da regra televisiva e não partam alguma louça, como deviam -
nesta corrida verbal que mais parece um campeonato de velocidade do que
uma campanha eleitoral, atirando os candidatos para um virtuosismo
maxilo-labial, palatal, de aparelho fónico em geral, que tem muito de
habilidade ( como no "Eu não" do Beckett) e pouco de profundidade. Na
realidade corre-se para onde? Quem manda no tempo televisivo? Então o
resultado disto tudo não será a eleição de um Presidente, essencial para
o equilíbrio do Regime? Isso vale tão pouco que o tempo eleitoral seja
inferior ao tempo dos candidatos nos concursos que proliferam? Já viram
que nesses concursos que há, para desenvolvimento do atraso mental de
produção própria, o candidato à resposta tem um tempo de responder que
implica silêncios por vezes prolongados mesmo que metronometrados,
atirando-se a angústia do concorrente antes da resposta para cima do
espectador salivante - os euros a voar - como se nada fosse justamente
como tempo TV? Estaremos definitivamente a viver regras que impõem que
vivamos exactamente o contrário do que dizem que fazemos, vida inversa?
Os tais debates não seriam para debater mas para entreter segundo a
regra oculta mais evidente? Isso de debater não tem um tempo, reflexivo,
sem medida aferida ao segundo, não vive da hesitação inteligente? Só resposta pronta serve? O fast food argumentativo? Quem é que está
doido nisto tudo? Os desuses ou quem impõe que seja assim? Mas quem é
esta criatura monstruosa que lucra com isto, que projecção da nossa
inteligência comum este esquema revela?
Assistimos então a uma
constante desqualificação da linguagem, a uma epidemia de dislexias
súbitas, de concordâncias mal feitas, o que poderia ter graça se não
fosse sob pressão e efeito dela, dos saltos argumentativos à moda da
conversa sem finalidade e a quem fale como uma matraca monocórdica - a
Bibelot de Belém - , a quem use as palavras como esgrima e fale em jeito
de estocada com um fim de frase sempre tão conclusivo que quer impedir
contra-resposta - o Marcelo, que, na realidade, pelo estilo
argumentativo à la carte diz sempre qualquer coisa que serve, manobra de
diversão obcecada, mas que não aprofunda, assistimos também a quem fale
por provérbios e que portanto remeta o que diz para uma sabedoria
ancestral, de sabor popular e neste caso dispare uma forma expressiva em
raciocínio metafórico (cobre todo o terreno e é definitivo) de
vocabulário rico a cair no meio de um português cada vez mais
televisivo-vazio - o padre Edgar Silva - a quem, como a Marisa Matias,
tenha um registo mais lento, de uma inadequação ao esquema que é
inteligente, convicto, à procura da coerência política no que diz com
numa voz fatigada ( há ali uma corda vocal problemática) mas resistente e
a quem fale de modo mais ponderado, articulado, o Sampaio da Nóvoa -
Sampaio II como a história o baptizará - revelando a sua formação de
experimentado cientista da educação/historiador por detrás do que diz e
um projecto para a Presidência assente na única possibilidade de abrir
uma nova porta de oportunidade - as janelas do mesmo, como o arroz do
polvo, já deram o que deram - ao futuro, baseada numa qualificação
colectiva - o Nós que tanto repete é sinal disso - que, tão falada,
ainda não veio, a não ser por surtos, epifenómenos sectoriais e que
portanto mantém intacto o seu valor propulsor.
Portanto nesta matéria em termos de onde em que é Sampaio II o meu Presidente.
fernando mora ramos
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