domingo, 10 de janeiro de 2016

SAMPAIO II

Em termos de nessa matéria em que e onde

Uma das mais claras incapacidades ou limitações na exposição de ideias - fito dos debates eleitorais - é o modo como se articulam as charneiras ou se fazem os arranques de frase. Há na linguagem um enorme peso morto de expressões, aquelas que correspondem a clichês de reacção fática e também as que abusadas num uso para-argumentativo constante estão mortas - é por isso que dizemos que fala como uma cassete ou dizemos que faz o discurso da cassete.

Quando alguém não sabe o que dizer e arranca a frase com um prolongado "em termos de" e ou um assertivo "nessa matéria" dizemos logo, já ouvi isto: procura um efeito de seriedade no texto e modo de elocução - os "em termos de" surgem de cenho em tique de pensamento - que dê alguma ciência ao que diz mas revela que coxeia no dizer, o que porventura não tem para dizer que seja mais que aquilo que todos dizem ou sabem e que muitas vezes não é saber, e mesmo só dizer - não é expressar o senso comum, esse tem um filtro de qualificação, como os provérbios ou outras expressões de linguagem que vêm dessa entidade anónima chamado tempo, voz comum: é mesmo vulgaridade, sem depreciação. Mas é nas articulações que a coisa se torna mais clara: quando saem uns "em que" ou uns "onde" fora de sítio. Nestes casos a questão é a mais complexa e é a da sequência articulada do que se diz numa exposição que assume ser de ideias - noutros discursos, na poesias, as associações assumem o imprevisto ao sabor de uma íntima relação com a língua, sensual no corpo a corpo respirado com a palavra, filosófica no limite, fundada nos fluxos mais fundos da in-sub-consciência nos processos de emersão, chamando-lhe assim.

É que é nas articulações que a ideia ganha forma (con)sequente, desde que não seja epigramática ou telegramática, como agora tem de ser - se os actores candidatos forem alunos fiéis da regra televisiva e não partam alguma louça, como deviam - nesta corrida verbal que mais parece um campeonato de velocidade do que uma campanha eleitoral, atirando os candidatos para um virtuosismo maxilo-labial, palatal, de aparelho fónico em geral, que tem muito de habilidade ( como no "Eu não" do Beckett) e pouco de profundidade. Na realidade corre-se para onde? Quem manda no tempo televisivo? Então o resultado disto tudo não será a eleição de um Presidente, essencial para o equilíbrio do Regime? Isso vale tão pouco que o tempo eleitoral seja inferior ao tempo dos candidatos nos concursos que proliferam? Já viram que nesses concursos que há, para desenvolvimento do atraso mental de produção própria, o candidato à resposta tem um tempo de responder que implica silêncios por vezes prolongados mesmo que metronometrados, atirando-se a angústia do concorrente antes da resposta para cima do espectador salivante - os euros a voar - como se nada fosse justamente como tempo TV? Estaremos definitivamente a viver regras que impõem que vivamos exactamente o contrário do que dizem que fazemos, vida inversa? Os tais debates não seriam para debater mas para entreter segundo a regra oculta mais evidente? Isso de debater não tem um tempo, reflexivo, sem medida aferida ao segundo, não vive da hesitação inteligente? Só resposta pronta serve? O fast food argumentativo? Quem é que está doido nisto tudo? Os desuses ou quem impõe que seja assim? Mas quem é esta criatura monstruosa que lucra com isto, que projecção da nossa inteligência comum este esquema revela?

Assistimos então a uma constante desqualificação da linguagem, a uma epidemia de dislexias súbitas, de concordâncias mal feitas, o que poderia ter graça se não fosse sob pressão e efeito dela, dos saltos argumentativos à moda da conversa sem finalidade e a quem fale como uma matraca monocórdica - a Bibelot de Belém - , a quem use as palavras como esgrima e fale em jeito de estocada com um fim de frase sempre tão conclusivo que quer impedir contra-resposta - o Marcelo, que, na realidade, pelo estilo argumentativo à la carte diz sempre qualquer coisa que serve, manobra de diversão obcecada, mas que não aprofunda, assistimos também a quem fale por provérbios e que portanto remeta o que diz para uma sabedoria ancestral, de sabor popular e neste caso dispare uma forma expressiva em raciocínio metafórico (cobre todo o terreno e é definitivo) de vocabulário rico a cair no meio de um português cada vez mais televisivo-vazio - o padre Edgar Silva - a quem, como a Marisa Matias, tenha um registo mais lento, de uma inadequação ao esquema que é inteligente, convicto, à procura da coerência política no que diz com numa voz fatigada ( há ali uma corda vocal problemática) mas resistente e a quem fale de modo mais ponderado, articulado, o Sampaio da Nóvoa - Sampaio II como a história o baptizará - revelando a sua formação de experimentado cientista da educação/historiador por detrás do que diz e um projecto para a Presidência assente na única possibilidade de abrir uma nova porta de oportunidade - as janelas do mesmo, como o arroz do polvo, já deram o que deram - ao futuro, baseada numa qualificação colectiva - o Nós que tanto repete é sinal disso - que, tão falada, ainda não veio, a não ser por surtos, epifenómenos sectoriais e que portanto mantém intacto o seu valor propulsor.

Portanto nesta matéria em termos de onde em que é Sampaio II o meu Presidente.

fernando mora ramos


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